sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Análise formal e temática


O poema “Tragédia no Lar”, de Castro Alves, foi publicado (postumamente) em seu livro Os Escravos, uma compilação de poemas de cunho abolicionista.
Passemos agora a uma pequena análise temática de “Tragédia no Lar”. A base do poema é a exposição da dura e triste realidade cotidiana dos escravos; para isto, Castro Alves conta, ao longo do poema, a história de uma escrava e seu filho, do sofrimento que é para ela não poder ver o filho livre e da quase-venda dele pelo seu senhor. O sentimento de liberdade querido pela escrava pode ser visto em seu cantarolar, sentimento este que o condoreiro expressa através da retratação da natureza, principalmente no que diz respeito às aves, pois estas são exemplo da liberdade quando planam na imensidão que é o céu:

Me fazem tremer de frio
Como os juncos da lagoa;
Feliz da araponga errante
Que é livre, que livre voa.
A partir da segunda parte do poema Castro Alves dialoga explicitamente com o leitor, uma espécie de convite a assistir ao desenrolar dos acontecimentos, a conhecer aquela triste vida sem esperança de perto e o que aconteceria, por fim, com a escrava e seu filho:

Leitor, se não tens desprezo
De vir descer às senzalas,
Trocar tapetes e salas
Por um alcouce cruel,
Que o teu vestido bordado
Vem comigo, mas ... cuidado ...
Não fique no chão manchado,
No chão do imundo bordel.”

E há uma mistura de diálogos até o final, diálogos entre a escrava e seu senhor, entre o eu-lírico narrador e o leitor. As falas da escrava explicitam o sentimento de impotência e a resignação que os escravos tinham perante o poderio de seus senhores:

“Senhor, por piedade, não
Vós sois bom antes do peito
Me arranqueis o coração!
Por piedade, matai-me! Oh! É impossível
Que me roubem da vida o único bem!
Apenas sabe rir é tão pequeno!
Inda não sabe me chamar? Também
Senhor, vós tendes filhos... quem não tem?”

Por outro lado, percebe-se, por fim, uma voz que grita em favor dos escravos, que representa a eles a esperança, e que é explicitada através da reação de outros negros:

Entram três negros possantes, 
Brilham punhais traiçoeiros... 
Rolam por terra os primeiros 
Da morte nas contorções.

Um momento depois a cavalgada 
Levava a trote largo pela estrada 
A criança a chorar.
Na fazenda o azorrague então se ouvia 
E aos golpes - uma doida respondia 
Com frio gargalhar! ...”

Este poema é dividido em duas partes. A primeira delas possui 18 estrofes, que variam quanto ao número de versos, bem como com relação ao número de sílabas poéticas (com a predominância, entretanto, de heptassílabos). A segunda, por sua vez, possui 21 estrofes, com as mesmas características das da parte que a antecede.
No que diz respeito à musicalidade, o poema é cheio de rimas, uma vez que cada estrofe tem o seu próprio grupo de rimas utilizadas, que dificilmente se repetem ao longo daquele; quando isto ocorre, é após uma quantidade razoável de estrofes.
Com relação ao nível lexical, podemos perceber que, levando-se em conta que os arcaicos utilizados no século XIX, a linguagem é clara e simples, de fácil entendimento. Poucos são os vocábulos que necessitamos buscar seus significados. Assemelha-se, portanto, à linguagem coloquial da fala daquela época, porquanto este é objetivo de Castro Alves: fazer uma aproximação entre o seu ideal, expresso através do poema, e a população, para conscientização político-social desta quanto à importância da abolição da escravatura, uma vez que o Brasil foi um dos países que mais demorou a progredir neste sentido (e em vários outros, mas que não cabem ser destacados aqui).
Além disso, é grande a adjetivação feita, bem como o número de substantivos utilizados, sempre como forma de enfatizar os argumentos dados.
Quanto ao nível sintático, uma marca bastante expressiva do estilo usado por Castro Alves e que está presente também neste poema é o uso de reticências, travessões e pontos de exclamação. Poucos poetas da língua portuguesa usaram tantos recursos gráficos como o condoreiro. O objetivo da utilização desses recursos é a reprodução da oralidade dos discursos (exaltados) das praças públicas ou das declamações em palcos, com o impacto e, consequentemente, a conscientização das pessoas sobre o problema da escravidão, como falado no parágrafo anterior.
Os pontos de exclamação são utilizados para dar ênfase ao discurso; as reticências, por sua vez, indicam pausas dramáticas e quando seguem as exclamações reforçam as ênfases dadas por estas:

“Por que tremes, mulher? Que estranho crime,
Que remorso cruel assim te oprime
E te curva a cerviz?
O que nas dobras do vestido ocultas? 
É um roubo talvez que aí sepultas?
É seu filho ... Infeliz! ...”

Os travessões que aparecem neste poema têm caráter dúplice: ora aparecem como introdutórios de falas (marca do discurso direto) que se dirigem a um interlocutor específico, ora como pausas da elocução, como as reticências:

Escrava, dá-me teu filho!
Senhores, ide-lo ver:
É forte, de uma raça bem provada,
Havemos tudo fazer.”(marca do discurso direto)

“Um momento depois a cavalgada 
Levava a trote largo pela estrada 
A criança a chorar.
Na fazenda o azorrague então se ouvia 
E aos golpes uma doida respondia 
Com frio gargalhar! ...”  (pausa)

Paralelismos sintáticos são muito utilizados em todo o poema, visando, através da repetição de dadas estruturas, reafirmar os argumentos dados:

Tem a palmeira, a baunilha,
Tem o brejo, a lavadeira,
Tem as campinas, as flores,
Tem a relva, a trepadeira,”

Com relação ao nível semântico, diversas figuras de linguagem são utilizadas por Castro Alves ao longo de “Tragédia no Lar”; uma forma de impactar o leitor sobre a triste e cruel realidade por que passavam os escravos e conscientizar sobre a necessidade de uma revolução na sociedade da época. A primeira figura a ser citada é a metáfora, bastante recorrente em todo o poema, como vemos em:

Ser mãe é um crime, ter um filho - roubo
Amá-lo uma loucura! Alma de lodo,
Para ti - não há luz.
Tens a noite no corpo, a noite na alma, 
Pedra que a humanidade pisa calma, 
— Cristo que verga à cruz!”

Também marca presença o hipérbato, figura também chamada de inversão, pois há a troca da ordem natural de uma sentença:

“Assim dizia o fazendeiro, rindo, 
E agitava o chicote...
A mãe que ouvia 
Imóvel, pasma, doida, sem razão! 
À Virgem Santa pedia 
Com prantos por oração;
E os olhos no ar erguia 
Que a voz não podia, não.”

Há recorrência no uso de antíteses, como forma de revelar a hipocrisia da sociedade:

Não venham esses que negam
A esmola ao leproso, ao pobre.
A luva branca do nobre
Oh! senhores, não mancheis...
Os pés lá pisam em lama,
Porém as frontes são puras
Mas vós nas faces impuras
Tendes lodo, e pus nos pés.”

E elipses, como maneira de tornar o poema mais dinâmico, acompanhando os acontecimentos narrados:

Por que tremes mulher? A noite é calma, 
Um bulício remoto agita a palma 
Do vasto coqueiral.
Tem pérolas o rio, a noite lumes,
A mata sombras, o sertão perfumes,
Murmúrio o bananal.” (omissão: tem)

Nenhum comentário:

Postar um comentário